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Pergunta:
Bom, a nossa entrevistada é a professora Florence Maria White de Vera. Nós estamos fazendo essa entrevista aqui em São Paulo em seu atelier no dia 13 de novembro de 2018, para o projeto Ginásio Vocacional de Vila Santa Maria História e Memórias. Florence, primeiramente eu gostaria que você contasse da sua infância, dos seus pais, né. Fique à vontade.
Resposta:
Então tá bem. Eu nasci em São Paulo, mas eu vim para nascer em São Paulo. Quer dizer, meus pais já moravam no interior e a família toda da minha mãe já era daqui, então ela achou que estaria melhor acolhida se eu nascesse aqui. Então eu nasci aqui em São Paulo, mas até o meus 12 anos eu morei no interior. Eu morei em Bauru, saí de Bauru com cinco anos de idade, mais ou menos, e fui morar em Paraguaçu Paulista, e em Paraguaçu fiquei até os 12 anos. Eu sou a filha mais velha de oito irmãos, então quando eu terminei o primário, eu ainda fiz um ano de admissão, que existia na época por conta do meu pai ter pedido transferência para São Paulo e não ter saído, então esse um ano de admissão entrou pela expectativa de vir para São Paulo. Na verdade, ele sempre considerou que ele não ia deixar bens para os filhos, mas fazia questão que todos estudassem bem. Então isso é o motivo dele pedir transferência para São Paulo. Todo meu primário eu fiz no interior, depois aqui em São Paulo estudei no Liceu Pasteur, fiz o ginásio e o colégio, e depois fiz história na USP. Então, o que eu me lembro da minha infância são as melhores recordações possíveis. Eu acho que eu tive uma infância que toda criança merecia ter. Era muito livre, era muito solto... quer dizer, nós morávamos... ele trabalhava na Anderson Cleiton e havia um núcleo de casas dos funcionários mais graduados e éramos todos vizinhos, então todas as crianças brincávamos na rua... os quintais se comunicavam... Foi assim uma infância muito livre, muito solta, muito de brincar de bola, de queimada, essas coisas. Coisas que quase desapareceram, né. Tanto é que quando eu vim para São Paulo e eu vim em 1957, em dezembro de 1957, nós viemos em oito. Você imagina que nós viemos com aquele espírito.. e toca jogar bola, jogar queimada, futebol e o que fosse na rua e não era bem assim. Os vizinhos já estranhavam e reclamavam de bola que caía... Foi uma adaptação que nós tivemos que fazer aqui em São Paulo. E também por conta do meu pai ser inglês, nós tivemos também uma educação um pouco diferenciada das outras crianças. Quer dizer, nós somos cinco mulheres e três homens... nunca houve diferença entre trabalho de homem e trabalho de mulher. Nós nunca chamamos os nossos pais de senhor e senhora, era você, embora existisse todo respeito, toda consideração, mas eles procuravam se manter o mais próximos possível dos filhos, que não era o usual em termos de educação naquela época. Aqui em São Paulo... quer dizer, minha adolescência também foi ótima, foi muito boa, brincamos muito. Eu era a mais velha, então em função disso... quer dizer, abaixo de mim tem uma outra irmã, depois são três irmãos homens e as três caçulas são mulheres também. Então as duas mais velhas, nós tivemos encargos de cuidar de pequenos... (risos) sendo.. fazia parte, não é? Eu me lembro de uma vez, um dos meus irmãos que era pequeno, minha mãe falou: "Olha, toma conta pra ver se nenhuma mosca senta numa madeira dela." Ele vem: "Mamãe, sentou uma mosca sim" (risadas) Quer dizer... Não era o cuidado, sei lá, mais feminino de aproximada... mas enfim, nós....E por ser mais velha, eles achavam que eu era mandona, mas não era! Tinha que cuidar de três crianças pequenas, meninas... quer dizer, vai brincar de bola na rua? Muito bem, mas é a encarregada de cuidar de fulano. Então, ficava aquela ali sentadinha, esperando que a gente desse um pouco de atenção... Mas foi muito gostoso. Quer dizer, infância, adolescência, eu tive muito gratas lembranças. Depois que eu terminei o colegial no Pasteur, que foi uma tremenda escola, eu gostava muito, muito, muito. [5'] Eu fui fazer vestibular para História, que era o que eu gostava muito, que era o que eu queria. Na verdade, eu gostava de História e de Artes, mas na verdade em termos de profissão eu fui fazer história e tinha que entrar na faculdade naquele ano, porque o meu namorado tinha entrado em direito e eu tinha que entrar também pra gente se formar junto e casar assim que nos formássemos. A vida estava toda bem planejada. E eu entrei na USP. Quer dizer, a USP no ano em que eu entrei, que foi em 1965, ainda um pouco do.... o primeiro ano de história, uma parte do curso era dado no prédio antigo da reitoria, outra parte do curso era dado ainda na Rua Maria Antonia. Quando eu fui para o segundo ano, é que ficou pronto o prédio da História, hoje, dentro da USP. Então, eu estava no segundo ano estreando o prédio que ficou pronto em 1966. Eu fiz história com todo gosto, com todo prazer e com todas matérias optativas de arte eu fazia sabendo que nunca ia ser artista plástica, mas eu gostava demais de artes sempre. Então, eu fiz o... era uma teórica de história da arte, digamos assim, dava aula de história... Quando eu estava terminando o curso de história, eu tomei conhecimento... quer dizer, eu trabalhei no Correios durante todo o meu período de faculdade, eu trabalhava no Correios e no último ano de faculdade, eu tomei conhecimento do serviço de ensino vocacional. Eu achei o máximo. Eu achei que teoricamente que seria uma maravilha eu me candidatar para poder trabalhar no curso de história no Vocacional. E fiz todo aquele curso anterior que existia para selecionar professores para dar aula. E claro, como a minha intenção era casar logo que me formasse, eu queria ficar em São Caetano porque era o local mais próximo... tinha a Avenida Portugal, ali era mais difícil conseguir, mas o colégio em São Caetano, eu me propus a trabalhar lá. Então eu fiz toda a... enfim, a preparatória direcionado para ir para São Caetano e foi realmente o que aconteceu. Quer dizer, fui dar aula de história em São Caetano... Comecei em 1969.
Pergunta:
Você fez estágio, né?
Resposta:
Eu fiz estágio pelo Vocacional em Americana. E fiz estágio também no colégio de Aplicação aqui.
Pergunta:
Eu gostaria de saber o seguinte: na época, quando começou a funcionar o ginásio em São Caetano, você percebe alguma diferença entre... alguma particularidade em São Caetano que não tinha em Americana?
Resposta:
Sim. O serviço de Ensino Vocacional pretendia, pretendeu e foi assim feito; era direcionado às especificidades do local onde ele estava. Quer dizer, sempre levava em consideração o entorno onde ele estava instalado. Eu fiz o estágio em Americana, em Americana o que predominava era a indústria têxtil, então o colégio Vocacional de Americana dentro da escola tinha, vamos dizer, uma pequena indústria têxtil. Os alunos que estudavam lá tinham acesso e tinham aulas nessas oficinas com a finalidade de que terminando o ciclo de estudo no colégio, eles tivessem habilidade para se candidatar como... enfim, trabalhar numa dessas indústrias. E em São Caetano, era indústria automobilística que predominava, então tinha uma oficina dentro do colégio em São Caetano; trabalhavam com motores, trabalhavam com esse mesmo objetivo: o aluno saindo poderia ter habilidades suficientes para trabalhar em alguma indústria da cidade.
Pergunta:
Então eu gostaria que você contasse um pouco do seu trabalho, do desenvolvimento do currículo... como era...?
Resposta:
Tá, então também era tudo bem diferente das outras escolas que existiam na época. Nós éramos contratados por período integral, nós dávamos um determinado número de aulas que eu já não me lembro com certeza qual era esse número, mas tínhamos... nós chamávamos de janelas, que eram horários livres para a preparação de textos, para a correção de provas, para reunião de professores. nós ficávamos o período integral na escola, mas não era período integral dando aula; eram tempos reservados para os professores para tratar do preparo das próximas aulas. [10'] Quer dizer, depois do Vocacional, por outras questões... Enfim, eu tive que trabalhar mais próxima dos filhos, casei, tive filhos, aquelas coisas. Eu comecei a dar aula particular em escolas particulares. Então, a preparação de aulas ou a correção de provas, quer dizer, você ganhava pelas aulas que dava em sala de aula e o restante do trabalho você tinha que desenvolver em casa, correção de provas, preparação de textos, tudo isso era feito na sua casa. Lá era tudo englobado no seu horário e não pensa que ninguém ficava enrolando... Não, nós ficávamos realmente trabalhando porque tinha que apresentar trabalhos para o mimeógrafo, tinha uma sequência de trabalhos para entrar, tinha apresentação dos textos que eram discutidos com entre outros professores; essa história do ensino ser integrado, várias disciplinas colaborando num mesma tema naquele momento, o que eu dava de história tinha que estar de acordo com o que por exemplo a professora de artes estava dando ou o que o professor de matemática também, quer dizer, o texto não era meu, era o texto da equipe de professores que eu ia dar na minha aula de história.
Pergunta:
Me conte um pouquinho dos estudos sociais que era o trabalho integrado do professor de geografia com o de história.
Resposta:
Sim, eu não dava aula de história, eram duplas: um professor de história e um professor de geografia. Quem formava dupla comigo era Soria Abucarma, era professora de geografia. Então, a outra dupla era a Ernesta Zamboni com a Célia, a Ernesta era a professora de história e a Célia professora de geografia. Tinha mais uma outra dupla, Adaltide que dava geografia e a professora de história que eu não recordo o nome agora. Mas nós éramos seis professores, três de história e três de geografia dando aula; as salas de professores eram por núcleo de matérias e não uma sala enorme que abrangesse todo mundo. Então nessa sala de estudos sociais trabalhavamos nós seis; nós tínhamos a nossa biblioteca, a gente tinha, enfim, as nossas discussões, tudo era resolvido ali em grupo e depois cada um saia para a sua sala de aula, mas tudo que era dado era conversado e discutido em conjunto. Então estudos sociais... o que eu dava de história, não sei... vou dar Inconfidência Mineira, com certeza a Soria estava dando o relevo de Minas Gerais, a hidrografia, coisas desse gênero para que eles tivessem uma noção de tempo e espaço bem correlatos.
Pergunta:
Interessante... Um detalhe, em São Caetano foi a primeira experiência do Vocacional, segundo eu li em alguns registros, de meio período. Mas como funcionava esse meio período em São Caetano?
Resposta:
Olha, pela minha memória, o meio período eram das aulas curriculares. O outro período eram de aulas, por exemplo, de... eu não sei qual era o nome da matéria, mas eles tinham trabalhos de casas... Acho que educação doméstica, não sei se era assim que chamava. Então tinha uma casa dentro da escola que eles aprendiam a cozinhar, a lavar roupa, a pregar botão, meninas e meninos todos iguais; tinha um banco que funcionava, tanto para desenvolver a noção de economia entre aquelas crianças que eram uma classe social de classe C, digamos né, classe média baixa ou realmente mais pobres, carentes. Então a noção de economia, noção do que era banco, como funcionava o banco, como guardar dinheiro, tudo isso eles tinham um professor que administrava e que dava. Tinha muito esporte, muita coisa, tanto é que vários alunos do Vocacional participavam de campeonatos, viajavam, foram até para a seleção brasileira de basquete tinha jogador do Vocacional. Então essa experiência, eu tenho impressão que as aulas curriculares funcionavam na parte da manhã e na parte da tarde, e virse-versa; tinha outro grupo que entrava para ter essas aulas a tarde e faziam essas atividades na parte da manhã.
Pergunta:
A disciplina de Teatro, nas anotações que eu descobri, não consegui localizar o Teatro, mas o Antonio Petrin, ele dava aula de teatro.
Resposta:
Aula de teatro...
Pergunta:
Você lembra de alguma coisa?
Resposta:
Não. Eu sei que existia, eu me lembro que existia. A parte toda de teatro, de artes era muito desenvolvido. [15'] Muito desenvolvido, eles tinham ateliê, eles tinham peças que treinavam, apresentavam; artes também, existiam exposições de artes, eram bem desenvolvidos.
Pergunta:
Gostaria também que você contasse um pouquinho das aulas, das unidades pedagógicas, das aulas plataformas.
Resposta:
O levantamento dos temas de estudo? Seria isso?
Pergunta:
É, isso.
Resposta:
Bom, aí eu vou ter que puxar bem pela minha memória. Eram sempre levantados temas de estudo com a participação tanto de alunos quanto dos professores envolvidos. Então isso era discutido como, vamos supor, como se fosse uma assembléia, quer dizer, chegava-se ao... isto, não vou dizer que era livre e espontaneamente saía dos alunos não, mas havia sugestão de temas que daí iam sendo acrescidos pelas participações de alunos e dos professores. Disso saiam um assunto grande que cada matéria procurava ver como ia encaixar e depois cada um voltava para o seu núcleo de estudos para organizar o planejamento daquele assunto a ser desenvolvido. Na medida do possível eram organizadas também atividades extracurriculares que pudessem colaborar com os temas; eram os estudos do meio, era... Enfim, a gente procurava colocar o mais possível o aluno dentro da realidade em que estavam vivendo, dentro do mundo que estavam vivendo e fazer relacionar, quer dizer, não ficava o estudo como uma coisa abstrata; não é que eu vou para casa e esqueci o que eu estava estudando. Não. Fazia com que ele observasse o mundo no entorno, com que ele se interessasse pelo que estava acontecendo e que trouxesse também para a escola o que ele tinha vivenciado fora. Fazia toda parte de uma educação bem ampla e conjunta. O que eu tenho de memória é que eu achava muito interessante começar assim de uma coisa pequenininha, como é a sua família, como é o seu vizinho, como é a casa da frente a sua casa, quantos postes existem no quarteirão da sua casa ou não existe. Sabe, tudo ele... fazê-lo observar o entorno dele, crescer um pouco mais: "Ah, o entorno da sua casa é assim? Ah, então como é o seu bairro? Tem indústria? Tem comércio? Tem padaria? Tem papelaria? Sabe, quais são as atividades econômicas e sociais? Tem gente que organiza festa e não organiza? Então vamos ver a cidade, vamos partir para a cidade. O que tem? Tem trem?" Tem.. sabe...? Então saímos para ver; ia crescendo na medida em que o ensino ia desenvolvendo, os anos iam desenvolvendo, ele ia ampliando a noção da realidade dele e uma realidade que ele... não era uma coisa abstrata, era concreto e ele trazia. Quer dizer, na aula de artes ele ia desenhar o que ele tinha visto na rua, na aula de artes ele ia desenhar o que ele tinha visto numa observação de uma indústria cerâmica, por exemplo. Ou desenvolver trabalhos em cerâmica, enfim...
Pergunta:
E vocês foram fazer estudo do meio em quais lugares de São Caetano?
Resposta:
Em São Caetano eu me lembro bem de indústria automobilística e cerâmica. Quer dizer, não é que eu acompanhasse todos; eram grupos de professores escalados para acompanhar determinadas saídas. Eu acompanhei com certeza indústria cerâmica e automobilística.
Pergunta:
Com relação às crianças, o tipo, você já mencionou que eles eram tipo bem bem... Então era bem diferenciado dos outros Vocacionais, ali era muito pobre, né?
Resposta:
Era mais pobre. Não sei dizer pelo outros, mas lá eram crianças pobres, eram crianças muitas vezes com sérias dificuldades em casa e vários tipos de problemas, vários tipo de problemas que aconteciam. Quer dizer, como eram atendidos e a gente acabava tomando conhecimento, tinha avaliação, tinha autoavaliação, tinha, enfim, umas coisas que a gente até incentivava que eles nos relatassem, sabe, coisas a respeito da vida, a gente acabava conhecendo bem. Foi lá que eu, pode parecer bobagem, mas uma coisa que eu nunca tinha pensado antes e um menino falar "Eu detesto flores. Eu não suporto flores. Que a única coisa que eu me lembro de flor, é a minha mãe cheia de flor quando morreu." A minha realidade também era outra, eu tinha que estar aberta para escutar esse tipo de coisas. Então, em relação a dificuldades também, por exemplo, era procurado solucionar ou amenizar ou enfim, resolver alguns problemas que nem sempre eram viáveis. Teve um... na minha matéria especificamente que nós adotamos um livro didático, eles não podiam todos comprar o livro. [20'] Então o que foi organizado entre a gente, foi que a 6ª série, por exemplo, que era o primeiro do ginásio, cada um contribuía com um pouquinho e compramos o número de livros suficientes para a classe com maior número de alunos. Então não é que chegava e distribuía os livros, não, cada um era responsável por um e punha o nome dele lá. Então, "Antonio do 1º ginasial A, o livro pertence a Maria do 1º ginasial B", quer dizer o livro circulava. Quando eu ia, tinha as crianças que recolhiam e levavam para a classe onde eu ia dar a aula seguinte. O mesmo livro era distribuído pelas quatro séries de quinta séries que existiam ou 1º ginasial que existia. Era uma maneira de amenizar um gasto e de todos terem acesso ao mesmo material, fora isso tinha muito material que a gente desenvolvia e que fornecia mesmo para as crianças em termos de textos, e filmes, e tudo que era possível. Os recursos audiovisuais foram muito importantes, era muito dinâmico esse setor no Vocacional; e assim passar filmes, slides, fotografias, enfim. Eu comentei quando te conheci uma história interessante de que eu morava em São Paulo e tomava três ônibus para chegar no colégio. Mas o homem ia descer na lua, então eu me propus a levar para os meus alunos uma televisão de casa que eles pudessem ver o homem pisando na lua. Então neste dia, o meu marido me levou de carro porque eu tinha que levar a televisão para a escola. Acontece que neste dia deu uma daquelas chuvas que São Caetano era mestre em ter, eu passei porque eu fui muito cedo porque tinha que instalar a televisão toda no pátio. Eu passei, mas quase nenhum outro professor chegou. E os alunos que moravam lá chegaram. Então a escola estava lotada de aluno, eu e mais uns três funcionários outros. Então no pátio da escola, todos os alunos sentados no pátio, olhando a minha televisão que era uma coisa pequenininha branco e preta, assistindo o homem descer na lua. Isso foi muito gostoso, isso foi muito legal, totalmente imprevisto, não era o que estava planejado, mas deu para compartilhar com todo mundo que foi muito legal. O segundo homem chegando a lua, porque o primeiro foi a noite, não deu para ver. Mas o segundo homem chegando a lua eu vi junto com os alunos do Vocacional de São Caetano.
Pergunta:
E os pais participavam junto com os alunos?
Resposta:
Participavam sim. Tinha o chamamento, tinha reuniões ou então quando algum aluno tava com alguma dificuldade ou algum problema que escapava a nossa alçada, sim eram chamados os pais.
Pergunta:
Essa época era 1969, né?
Resposta:
Sim, 1969.
Pergunta:
E como era assim na situação política do Brasil, como era que no dia-a-dia? Como você se sentia?
Resposta:
Olha, eu posso falar pelo meu caso particular. De repente, do dia para a noite eu fui transformada em professora de educação moral e cívica e obrigada a dar aula de educação moral e cívica, que não era a minha matéria. Nós tivemos um curso pela secretaria de educação, nos prepararam rapidamente, mas de repente você tinha que dar aula de educação moral e cívica. Isso era uma coisa, uma matéria nova que foi introduzida em função do regime militar que existia. Como eu era professora de educação moral e cívica, tinha que ter um passado muito limpo. Então tinha que tirar atestado de antecedentes na polícia, porque jamais poderia dar aula se houvesse algum obstáculo. Isso eu já tinha passado antes, porque quando eu fiz a faculdade, eu era funcionária do Correios. E nós tínhamos, imagina você uma família com oito filhos, não era fácil, nós tínhamos tudo muito bem contado. Quer dizer, esse emprego que eu tinha no Correios era absolutamente importante e fundamental para mim e ainda para colaborar com a família. Se houvesse uma fotografia minha naquelas manifestações monumentais que aconteciam dentro da faculdade, da USP, já era quase o suficiente para eu perder o meu emprego na época. Então eu já estava acostumada a me preservar, eu não podia perder o meu emprego nos Correios, e depois, enfim, não havia empecilho nenhum em tirar atestado de antecedentes, mas de qualquer forma era uma exigência da época para poder dar aula de educação moral e cívica. [25'] E comemorar as datas cívicas nas datas cívicas; não tinha essa de comemorar 7 de setembro no dia seguinte, não, nem 21 de abril, nada. Era no dia; 31 de março, cantar o hino, todo mundo assistia a bandeira, colégio inteiro perfilado, todo bonitinho, todas as datas como mandava o figurino. Quer dizer, você dava aquelas aulas enormes de educação moral e cívica e em 1970 quando o Brasil foi campeão mundial de futebol, aparece o Médici enrolado na bandeira nacional. Se ensinava quinhentas mil vezes como dobrar a bandeira, como hastear a bandeira, quando recolher a bandeira e aparece o presidente enrolado na bandeira nacional que não poderia [risos], comemorando o campeonato de futebol. [risos] Foi curioso também.
Pergunta:
Agora voltando um pouquinho no Vocacional ainda. Fale alguma coisa sobre a extinção do Vocacional, o final do trajeto.
Resposta:
Olha, na verdade, pelo ano em que me formei, eu cheguei no Vocacional quando ele já estava num período para terminar, não é isso? Eu comecei a dar aula... Eu fiz toda a preparação para trabalhar no Vocacional em 1968, eu me formei em 1968, quer dizer, o ano em que me formei eu ao mesmo tempo eu estava me preparando para dar aula lá. Eu comecei a trabalhar em 1969 e teoricamente foi o ano em que acabou o serviço de ensino vocacional. Em São Caetano, nós tentamos manter por mais tempo. Eu trabalhei até 1973 no Vocacional, e dentro do possível nós procuramos manter a equipe de professores que trabalhava lá, dentro do possível nós procuramos manter a equipe, quer dizer, os ensinamentos básicos que nós tínhamos recebido no Vocacional, preservar. Mas já não era possível porque já estava estruturado um... consideraram muito luxuoso, muito caro, o serviço de ensino vocacional, uma das desculpas para ter acabado com esse sistema de ensino, além de outros de origem política, e etc. Mas de qualquer maneira, já foi desvirtuando, já não era a mesma coisa. E eu saí em 1973, quer dizer, eu saí por motivos particulares, eu tive que deixar porque o meu filho que tinha nascido exigia mais cuidados e eu não podia me deslocar até São Caetano para dar aula e voltar. Eu tinha que estar muito mais em casa, tanto é que eu parei dois anos de dar aula e quando voltei, voltei a dar aula duas vezes por semana só e aos poucos é que eu fui desenvolvendo mais. Mas o término do serviço de ensino vocacional coincidiu também com a minha necessidade pessoal de me afastar tanto da distância de São Caetano quanto de uma carga horária tão grande.
Pergunta:
Na nossa conversa você mencionou que o nome da sua filha foi em decorrência...
Resposta:
Ah, a Cristiana.
Pergunta:
E eu gostaria de saber, não só isso, mas o que que esse momento que você viveu passou em São Caetano, o que que marcou na sua vida?
Resposta:
Então, vocês imaginam passar todos os dias da sete da manhã até às cinco da tarde juntos, quer dizer, era um grupo que se uniu muito, que nós vivíamos muitas, enfim, sabíamos horário de almoço, nós almoçávamos na escola. Horários de almoço eram momentos de encontro, nós tínhamos reuniões apesar de ter as matérias separadas por núcleos, a sala de professores separadas por núcleos, nós tínhamos reunião de professores também. Então era um grupo muito unido, muito unido. E a Cristiana que é a minha filha, eu meu encantei com o nome de uma colega, que era Cristiana, que dava aula de francês. Daí vem o nome dela. Outra coisa que eu comentei com você, outra vez que também marcou foi que nessa aconteceu o incêndio do Andraus e o noivo de uma professora, que se eu não me engano era professora de francês, estava nesse incêndio e ficou traumatizada e todos nós procurávamos saber o que tava acontecendo, como que ele tava superando ou tentando superar esse momento horrível que foi um fato horrível, né. Não sei que ano foi, 1972 talvez? Mas enfim, era um grupo muito unido, muito...
Pergunta:
O jeito de trabalhar...
Resposta:
O jeito de trabalhar já nos impunha isso e o fato de nós passarmos o dia inteiro na escola e almoçarmos todos juntos, [30'] isso também serviu para nos unir bastante. Ah, mas tanta coisa. Eu me casei nesse período, vários colegas casaram. Era época, né. O que que eu tinha nessa época? 24 anos. Quer dizer, era época que o pessoal tava casando, tendo filhos pequenos, mesmo a Beatriz que você já fez contato com ela, né, também tem os filhos com uma idade muito próxima dos meus, essas crianças ficaram amigas durante muito tempo e nós nos visitávamos pessoalmente. Os filhos da Célia também, tinha bastante contato com eles todos. Quer dizer, acabava criando um vínculo extra colégio e intenso porque nós estávamos juntos todos os dias, pelo menos na hora do almoço, todos juntos.
Pergunta:
Gostaria também, antes de você... você contasse também depois da sua vida profissional, por onde foi né.
Resposta:
Pois é.
Pergunta:
Aí fica bem a vontade para contar esse outro momento da sua vida.
Resposta:
Eu trabalhei então no Vocacional até 1973, e depois como já antecipei um pouco, eu parei dois anos de trabalhar. Mas no fim, eu precisava voltar a trabalhar. Eu tinha que ter alguma atividade, porque eu trabalhava desde os meus 16 anos de idade e não aguentava mais ficar em casa. A situação já tinha se tranquilizado um pouco, o menino já estava mais resistente, tudo isso. Então eu voltei a trabalhar como professora e nesse aspecto, o fato de ter dado aula no Vocacional, abriam-se as portas. Então eu fui procurar colégio particular e você era tratada, nossa... como uma professora muito importante para aquela escola já que tinha dado aula no Vocacional. E era mesmo. Era um sistema de ensino extremamente diferenciado, eram normas de trabalho que, sabe você tinha outra visão de ensino. Então fui dar aula no Augusto Laranja, que era próximo de casa e dei aula muitos anos lá. Depois eu fui dar aula no Galileu, que eu adorei dar aula no Galileu. Era um sistema de ensino muito, também muito liberal, muito a vontade, com envolvimento, com participação, fazia com que os alunos participassem muito; tudo isso, gostei muito. Só que enquanto eu estava no Galileu, daí aconteceu, como eu disse no comecinho eu sempre gostei muito de arte e eu era uma teórica da arte; aconteceu de existir em São Paulo o primeiro curso de restauro aqui na cidade. E eu me candidatei. Mas esse curso era voltado para aqueles profissionais que já trabalhavam em museus, mas que ainda não tinham o curso de formação específico. Então eram restauradores porque eram teóricos, liam, tinham experiência, aprenderam com algum artista, alguma coisa desse tipo, mas não era um curso específico. Aí sim eu fiquei na rabeira, mas eu fiquei para trás até não poder mais. Eu ia todos os dias pedir por favor que me aceitassem como aluna, porque embora eu não trabalhasse em museu nenhum eu queria demais. Já que eu sabia que eu não ia ser artista, restauradora eu achei que pudesse ser porque é uma profissão técnica, não é. E eu insisti muito muito muito, e acho que ficaram com pena e deixaram. No fim, fim fim das matrículas, avisaram que eu podia fazer o curso de restauração. Mas eu realmente era o fim da picada. Eu nunca tinha visto pigmento na vida, nunca tinha segurado um pincel fininho com toda delicadeza, então eu procurava segurar com tanta delicadeza que o pincel acabava caindo para trás. Era demais a minha delicadeza. E os outros colegas, nós éramos 15, 12 deles já trabalhavam em museus. Mas foi indo. E como eu me sentia bem por baixo, eu procurei me esforçar bem mais que os outros. Quer dizer, eu tinha vantagem de em termos de teoria, eu era professora de história e eu sempre me interessei por história da arte, em termos de teoria eu estava... Agora, restauração é uma profissão que pode abrigar diferentes ramos de conhecimento, e nós precisamos ter diferentes ramos de conhecimento porque uma equipe super completa, que não é o caso, a gente tem que saber procurar informações em outros lugares, mas teria que ter um historiador da arte, teria que ter um químico, um físico, entendeu? Um biólogo para analisar os fungos das coisas que atacam. No meu lado, eu entrei pelo conhecimento de história que eu tinha e se acaba entrosando. Eu me esforcei de verdade muito, muito, muito [35'] para poder acompanhar a turma, que eu me achava a última, o fim do mundo. Mas no fim das contas, como os outros trabalhavam em museu, no fim das contas apareceu... e trabalhei, daí comecei a trabalhar no instituto. E dava aula de manhã no Galileu, trabalhava a tarde na escola que eu estava fazendo o curso e depois eu me formei e continuei trabalhando um pouco mais na escola, no instituto técnico de restauração, na escola em que eu fiz o curso, eu continuei trabalhando. E depois abriu um concurso no MAC. Então como era o primeiro curso em São Paulo de restauração, inclusive o diretor responsável, o professor Domingos Tellechea, ele achava que seria interessante que eu prestasse o concurso para dar até credibilidade para o curso que ele estava desenvolvendo de restauro. Nossa, eu fiquei com toda a responsabilidade do mundo nas costas, mas passei e trabalhei no MAC com muito gosto. Eu digo sempre que eu tive muita sorte em termos de profissão, que as minhas duas profissões eu continuo achando que são as melhores do mundo: professor e restaurador. Acho o máximo. Eu gostaria de ter continuado dando aula, mas chegou um momento em que eu tive que optar. Então restauração naquele momento falava muito mais para mim, mas depois eu voltei a dar aula no curso de restauro. Então continuei sendo professora por mais algum tempo. Me aposentei no MAC e abri o meu ateliê de restauração particular. Quando eu abri o ateliê de restauração, eu trouxe comigo alguns que tinham sido alunos meus no curso de restauro. E continuamos assim. [risos]
Pergunta:
E com relação ao ABC, tem alguma ligação além do Vocacional? Santo André? São Bernardo?
Resposta:
Olha... não. Eu tive uma relação profissional em Santo André porque eu restaurei a tapeçaria do Burle Marx que está no salão nobre da prefeitura de Santo André. Foi um trabalho super bonito também e super interessante. Inclusive, é interessante que o meu marido é engenheiro; é o meu segundo marido. O que eu queria casar na época que eu fazia faculdade é o pai dos meus filhos. Depois nós nos separamos e eu me casei com o Julio, que agora também já faz, fizemos 25 anos de casados. Quer dizer, não é pouco tempo nem com um nem com outro. [risos] Mas de qualquer forma, ele é engenheiro, engenheiro elétrico e pelo fato de estar acompanhando, muito companheiro, muito próximo meu, tudo isso, acabou fazendo um curso na USP de museologia. Então ele presta muitos serviços para museus de iluminação, de condicionamento de climatização, de criar um ambiente adequado para obras de arte. Ele também veio para esse campo numa outra área de conhecimento; ele não interfere na obra de arte, mas no ambiente que abriga a obra de arte. Ele é museólogo e eu sou restauradora.
Pergunta:
... algum lugar assim que você... que merece? Você quer destacar algum trabalho que você fez?
Resposta:
Ah, fiz trabalhos maravilhosos, trabalhos muito bonitos mesmo. Eu trabalho muito para instituição e muito para clientes particulares. Com instituição, um trabalho muito bonito que eu fiz foram as obras de Portinari da igreja matriz de Batatais, que é santuário Bom Jesus da Cana Verde, onde está o maior acervo de obras/pinturas sacras do Portinari. São 27 telas e nisso existia a condição de que as obras não sairiam de dentro da igreja para serem restauradas. Então nós fizemos um projeto que foi patrocinado pela secretaria de cultura, na época em que o Marcelo Araújo era secretário de cultura do Estado. Nós montamos um ateliê em Batatais; padre Pedro era... é o pároco da igreja, ele nos cedeu toda parte de cima da igreja; nós montamos um ateliê completo de restauração lá e levei uma parte da equipe para trabalhar lá 15 dias por mês, 15 dias aqui, foi um ano de trabalho. Esse trabalho foi maravilhoso e gostoso porque muita gente interpreta restauração: ‘Ai que delícia. Restauradora pega o pincelzinho e fica ali com muita calma..'; não é assim! É tenso. Você tem que estudar. É tenso não, é bom, é agradável, mas você tem que estar sempre atualizada, [40'] você tem que estar sempre se informando, tem que estar acompanhando o que acontece em termos de técnicas, de materiais e de tudo isso. Então nós fizemos o quê? Para uma cidade como Batatais, eu quis transformar isso em um... também um... É a mania de professor, né? Numa divulgação do que a gente tava fazendo e para tirar o romantismo da história. É uma profissão, é um trabalho e que tem suas satisfações e tem suas preocupações, e tudo isso. Então abrimos dois horários na parte da manhã e dois horários na parte da tarde para visitação. Não podia ser visitação assim... Mas dois horários. E recebemos escolas e recebemos escolas de Franca, escola de Ribeirão Preto, todos que iam agendados e a gente atendia com todo assim sabe, mostrando, abrindo mesmo. Mostrando o que estava sendo feito, como estava a obra antes, o que estava sendo feito durante o processo e qual era o resultado final para que eles entendessem o que estava sendo feito. Eu me lembro bem de uma senhora, isso é muito interessante; nós estávamos trabalhando e ela chegou, às vezes apareciam no horário de visitação pessoas que não tinham agendado, ela chegou e estava com um livro, olhando, ela olhava aquilo. "Ah, a senhora tem o livro com essas imagens?", "Tenho, e estou observando bem para ver se a senhora está mudando a cara dos santos que estão aqui." [risos] Claro que existem regras muito rigorosas, né e é todo direito dela acompanhar para ver se estava tendo alguma mudança fora do normal. Mas o público participa, iam lá, voltavam, perguntavam, o pároco ____ se entusiasmou e participou muito também. Houve um envolvimento da cidade muito grande, esse trabalho ficou marcado nesse sentido. Mas fizemos um trabalho interessante que está exposto agora no Solar da Marquesa, restauração de uma fotografia enorme, ela tem 1,80m por 14 de comprimento que foi feita para a comemoração do centenário, do primeiro centenário da independência, uma fotografia do Valério Vieira. Pelo porte, pelo trabalho que é tida como a maior fotografia dessa época ainda existente no mundo; e muito bonita, muito interessante, um trabalho porque daí tem fotografia, papel e tela; são três materiais sobrepostos que daí você tem que tomar cuidado com o que existe de mais frágil para poder... Restauramos os Portinari do Banco Central de Brasília, todos vieram para cá também; estes vieram para cá e depois no começo desse ano (2018) nós fomos para lá também fazer uma manutenção porque já se passaram... acho que dez anos da primeira restauração. E trabalhos bem interessantes assim, sempre tem alguma coisa... Trabalhamos para várias instituições, para bancos, até para museu que não tem quadro de restaurador a gente trabalha também.
Pergunta:
Interessante.Teria alguma coisa que você gostaria de acrescentar? Alguma lembrança? De algum momento histórico que te marcou? Alguma coisa...
Resposta:
De momento histórico quando você perguntou do que eu lembrava, eu falei: "Nossa, vão carimbar um número de tombo nas minhas costas,né". [risos] Estava comentando que a primeira lembrança que eu tenho de história foi o dia em que Getúlio Vargas morreu, que eu morava em Paraguaçu Paulista, nós morávamos dentro da Anderson Clayton e claro, era rádio né, a rádio e olhe lá. Meu pai chegando muito aflito em casa, que não sabia qual seria a reação dentro da indústria, não sabia qual seria a reação dos funcionários. Sei que aquilo me assustou muito. E lá também, meu pai era inglês, ele nos fez escutar pela BBC de Londres a coroação da rainha Elizabeth. Coroação da rainha Elizabeth, nós escutamos isso na rádio em Paraguaçu pela BBC que ele tinha quinhentas mil antenas para escutar todas as rádios que passavam na BBC, mas todas as rádios não, as notícias que passavam vindas da Inglaterra. Tanta coisa, quer dizer, o Fidel Castro quando veio a Revolução que chegou a notícia eu estava no Pasteur numa aula de religião, o padre na aula de religião, aquele susto, né "E agora, o que vai ser? Como vai ser agora?". Renúncia do Jânio Quadros, assassinato do Kennedy, assassinato do Martin Luther King, o homem na lua... Quer dizer, são 73 anos de muita coisa para a gente lembrar...[risos] A queda do muro de Berlim... Os fatos que... [45'] Enfim, acho que fomos nos adaptando e acompanhando essas mudanças todas. Eu estou num momento para mim os avanços tecnológicos já não me interessam, chega. Não é que eu não queira aprender mais nada, mas nesse aspecto assim já.. [risos] Então, a Revolução Tecnológica o que que é isso? Para mim continua sendo um milagre você assistir agora uma bomba sendo jogada do outro lado do mundo, as coisas acontecendo na mesma época. Eu conheci a televisão com 12 anos de idade, eu nunca tinha visto televisão antes. Meus filhos já quando uma televisão que tinha, uma! Uma! Uma televisão colorida na casa, quando aconteceu televisão colorida, e essa televisão quebrou... Nossa, aquilo foi um desastre. Quer dizer, tinha branco e preto, mas não servia e nós tínhamos tido preto e branco até aquele momento ali. Esses avanços todos, tecnológicos, na medicina, eu tive problemas sérios de saúde, quer dizer, em outras épocas certamente já teria morrido aos 48 anos de idade com certeza e o avanço da medicina nesse período todo meu de vida fez com que tivesse aqui agora bastante tempo depois ainda falando, não é? Então esses avanços todos da medicina que aconteceram... Celular para mim é mágico. Acho que é a melhor coisa do mundo hoje em dia é o what's app. Olha que interessante, eu tava aqui, uma irmã minha em São Paulo em outro lugar dizendo que uma amiga estava em Toledo, na Espanha e que queria dicas de passeio porque eu tinha estado há pouco lá. Sabe, daqui falando pra Francis o que que era legal ver em Toledo e ela passando para a amiga que estava andando nas ruas lá. Tudo na mesma hora. Quando eu era menina, a cidade de Paraguaçu era tão pequena que eu pegava o telefone, lógico fixo, eu nem sabia nem ligar, e falava: "Telefonista, eu quero falar com o meu pai", ela sabia quem era e passava para o meu pai. Você imaginar agora hoje que as notícias chegam exatamente no momento em que estão acontecendo. Muita coisa para mim é bem mágico mesmo. Essa evolução toda rápida, que eu procuro acompanhar, claro na medida do possível, mas tem coisas que eu já não me interessam muito não. [risos] E quando tem algum problema, eu sempre peço socorro para alguém. Mas eu acho que eu vivi um período muito rico em termos de história, em termos de mudanças no mundo, em termos de política aqui no Brasil e avanços do conhecimento que eu acredito, apesar de tudo que possa ter acontecido, que a vida do homem melhorou muito. Agora eu estou animadíssima porque inauguraram a estação de metrô aqui na esquina de casa que eu estou achando o máximo! Que eu acho que metrô é o meio de transporte mais civilizado do mundo. Passamos por muita coisa, muita história, muita... E como diz o estudioso de história, daqui alguns é que vai poder se analisar com clareza o que está acontecendo nesse momento, porque neste momento para mim nós estamos chegando numa incógnita incrível sem saber realmente o que vem aí pela frente, o que nos espera em termos de política, em termos de governo no Brasil.
Pergunta:
Bom, estamos encerrando...
Resposta:
Ah, encerrando... Ah, olha, eu acho que foi um período muito bom da minha vida, o período em que eu trabalhei no Vocacional e eu acho que para mim como eu vou repetir, foi o lugar onde eu aprendi a trabalhar em termos assim de responsabilidade, de compromisso, de honestidade de pensamento, em termos de seriedade com o trabalho, em termos de respeito ao próximo, a opinião do outro, tudo isso era muito levado a sério, muito sério e o outro, não era o outro o meu colega de trabalho, era o outro a criança que estava expondo a idéia dele. Esse tipo de atitude, de respeito, consideração, responsabilidade. Claro que eu fui educada dentro desses parâmetros, mas a aplicação de tudo isso com certeza dentro do Vocacional isso era levado muito a sério, muito desenvolvido, foi muito bom. Eu aprendi a trabalhar lá, quer dizer, o meu primeiro trabalho tinha sido o Correios, era um trabalho que, [50'] me desculpem, mas não era o modelo padrão de profissionalismo, fora que na época em que eu trabalhei no Correios, o Correios era censura e dominado, claro era um meio de comunicação seríssimo, né. Então já havia uma repressão que talvez não corresponda a realidade do Correios hoje em dia, mas foi um período que para mim foi muito importante também. Agora trabalho, em termos de trabalho o Vocacional foi o modelo de como se trabalhar, como respeitar o outro, enfim, ver o cidadão como o próximo, a ser respeitado sempre. E é isso, eu adoro o que eu faço agora. Eu acho que trabalhar com obras de arte é uma coisa muito importante e que é a criação mais importante do ser humano para mim, na minha visão. Eu acho que em qualquer meio, seja expressão de uma beleza padronizada ou seja uma expressão de uma pessoa atormentada que está expondo ali na tela ou no papel a sua visão de mundo... E eu acho que trabalhar com arte também é uma coisa muito importante e eu tenho certeza que eu escolhi as duas melhores profissões que existem. Isso me deixa muito satisfeita sempre. Tá bom?
Pergunta:
Muito obrigada.
Resposta:
Imagina.
Lista de siglas:
USP - Universidade de São Paulo
MAC - Museu de Arte Contemporânea
BBC - British Broadcasting Corporation